Sonhei que tinham passado dois ou três anos e que te vi na rua, com um bebé pela mão e ao telemóvel.
A criança tropeçava, pois ainda mal andava, e por isso pegaste nela ao colo - mas não desligaste o telefone.
Deixei de te seguir com o olhar, apesar de ter ficado com vontade de conhecer o bebé.
Trabalhávamos no mesmo edifício mas, para alívio meu, nunca nos tínhamos cruzado. Um espaço enorme com muitos vidros e muito espelho. Acho que tu nem sequer sabias que a hot shot do edifício era eu (o sonho era meu!! :op - agora vem o outro dizer: ah e tal, até nos sonhos és tão narcisa, que náuseas, deixa-te disso que não fica bem... ufff!).
Tinhas-te esquecido de mim e também do meu nome. O nome no organograma não te dizia nada. Tanto melhor.
No dia seguinte ao dia em que te vi discutir ao telefone de bebé pela mão, uma mulher nos seus mid thirties batia enfurecida nos vidros da entrada e a toda a volta, onde alguém a pudesse ver do lado de dentro.
Era bonita, loira, elegante... mas estava um caco. A segurança tinha ordens para lhe barrar a entrada.
Fiéis cumpridores do seu ofício, não a deixaram mesmo entrar.
Gritava o teu nome.
Não se ouvia mas quando vim cá baixo ao bar da recepção e a vi aos gritos, percebi que era isso que ela gritava.
Fui à rua ter com ela e perguntei-lhe se queria ajuda.
Explicou-me tudo no meio de uma hiperventilação ofegante... pareceu-me ser uma mulher inteligente mas descontrolada das emoções.
Entrou comigo no edifício, paguei-lhe um café ou um chá (ou uma treta qualquer quente, eu era uma executiva elegante, duvido que bebesse muito chocolate quente!).
Acabei por te proteger... não por ti mas porque queria evitar escândalos. Não nos ficava bem (à empresa) aquele reboliço. Podia ter simplesmente levantado a proibição de entrada da mulher junto da segurança e contornado as regras. Com a raiva que via faíscar nos olhos dela cada vez que dizia o teu nome, ia limpar-te o sebo em três actos...
No entanto expliquei-lhe que se a pessoa que ela veio ver tinha pedido barramento, não havia muito a fazer... mas garanti-lhe que saíria dali sem problemas.
Precisava de tempo para que alguém da firma te questionasse sobre isto e te chamasse a atenção. Nunca seria eu a fazer isso, eu nem sequer devia estar ali, com ela... Alguém abaixo ia repreender-te. Os barramentos só eram permitidos como recurso extremo e geralmente só nos casos dos clientes da máfia, quando se tornavam abusivos... o procedimento seguinte era chamar a polícia. Eu não ia prender a pobre mulher só porque tu és um destrambelhado emocional e no processo deste também cabo da sanidade da mulher... e pelo meio, ainda por cima, havia um filho, um bebé, que tão pequenino já lidava com tanta instabilidade parental.
Ela insistia. Muito mais calma. Pedi-lhe uma hora para ver o que podia fazer. Assentiu, agradeceu-me e saiu escoltada.
Regressei ao meu trabalho no gabinete e tratei de nomear a pessoa que te iria abordar de imediato de forma a resolver a questão do barramento em menos de uma hora.
Não passaram nem 15 minutos e ouviu-se um estrondo enorme e vidros a quebrar.
A mulher não me ligou puto, não confiou em mim ou simplesmente pirou de vez e entrou de carro dentro do edifício partindo um dos janelões laterais.
Quando espreitei do topo do edifício para o interior e vi o lobby "atropelado", meti-me no elevador.
Ao chegar vi a mulher fora do carro. Felizmente e aparentemente, ilesa mas a ser algemada violentamente.
Ordenei que parassem e disse-lhe que as portas estavam todas abertas e que fosse ter contigo se assim quisesse mas que já estavas avisado de que ela estava ali para te falar.
Pediu-me que não te punisse por tudo isto...
Que parva! Ela estava ali a postos para te apertar o gasganete mas eu não podia despedir-te!
Expliquei-lhe que a punição não seria severa... no entanto haveria sanções pois tinhas quebrado algumas regras básicas.
Desapareceu no elevador.
Voltou passado uma hora e meia e pediu para falar comigo.
Mandei-a subir. Entrou no meu gabinete a chorar convulsivamente. Dei-lhe uma água. Acalmou. Agradeceu-me e pediu-me desculpa pelo estrago no lobby. Estava disposta a pedir um empréstimo se fosse preciso, para pagar o que estragou.
Disse-lhe que esquecesse, que tinhamos um bom seguro e que já estava tudo a ser tratado...
Agradeceu novamente e ficámos um pouco em silêncio.
Quebrei o silêncio (já que ela era melhor a quebrar vidros :op) dizendo:
"- Minha cara, os homens não sabem comunicar como nós... temos que saber viver com isso e contornar sempre que possível."
Ela fitava-me. Continuei.
" - Bem sei que dizer-lhe agora que nenhum homem merece o que acabou de fazer, não nos adianta de nada... a mim não adianta certamente, e a si também não. Há aí um bloqueio, uma esperança que ainda resta... mas se as coisas chegaram a este ponto...?! (pausei)
... Sei que em breve chegará também a esta conclusão.
Para além disso... estas coisas são como intervenções cirúrgicas e às vezes dói tanto no "durante" que parece que o anestesista se esqueceu de fazer o seu trabalho...
A verdade é que a partir do momento em que começa a doer é porque já está a curar. Os processos de cura e recuperação doem. Não há grandes fórmulas para evitar isso."
Continuou a fitar-me já sem lágrimas nos olhos.
Perguntei-lhe: "Precisa de mais alguma coisa?"
Respondeu-me: "Preciso apenas de um marido..."
Dirigiu-se a mim e abraçou-me. Girou os calcanhares, saíu porta fora.
...
2 comments:
Como se chama o filme mesmo?
Sei lá...!
Mas é curta metragem :op
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