20 October 2007

Ela (de novo)

Depois do estranho telefonema ainda pensou três ou quatro vezes em desistir daquela ideia maluca. Até que bem perto da hora se decidiu em ir.
Procurou a casa especial na rua indicada.
De facto tudo estava de acordo com o que esperava, sentia-se insegura.
Parou... respirou fundo e tocou à campaínha. Escassos segundos passaram até empurrar o pesado portão quando ouviu o estalido, indicando que alguém do lado de dentro abrira a porta.
No cimo das íngremes escadas lá estava ele, de boina e cachimbo. Iluminado pelo sol, que já ia alto, caminhou para si, cevado... robicundo.
Não sabia muito bem como o cumprimentar mas a sageza feminina valeu-lhe mais uma vez, ajudando-a ocultar muito bem o pouco à vontade que sentia. Ele não teve esse mesmo problema, dirigiu-se a ela sem refreio e de braços abertos como se de uma velha amiga se tratasse. Osculou-lhe as duas faces fazendo-lhe cócegas com as barbas.
Apontando a mãozinha anafada na direcção de uma porta vermelha, indicou-lhe o caminho.
A casa era velha mas simpática. Parecia habitada por duendes. A pouco e pouco, sem saber bem porquê, os seus receios foram como que desaparecendo.
Entraram num corredor muito comprido e depois na salinha pequena à direita.
Tudo naquela sala parecia intrigá-la. A luz era parca, mesmo existindo uma janela enorme a dar para a rua. Ele preferiu a luz de velas - "a luz do sol a esta hora é demasiado agressiva" - disse. Ela sorriu assentindo.
Na parede cheia de sombras estavam pendurados vários quadros com gravuras antigas e um poster da Dublin Trinity College. "Interessante" - pensou.
Uma das coisas que mais lhe agradou dentro da sala foi o cheiro. Ligara sempre muito aos cheiros, ao ponto de acreditar e sentir que os mesmos, não sendo agradáveis, lhe afectavam severamente o espírito. Não era o caso. Havia um cheiro suave, uma mistura de baunilha, canela e maçã... talvez também um pouco de hortelã.
Na prateleira de cima da estante, em frente à janela, estavam arrumados vários livros bem gordos. Sentiu-se orgulhosa por ter reconhecido alguns títulos. As prateleiras de baixo eram autênticos jazigos de folhas soltas com rabiscos a esferográfica e a carvão, pilhas de papel desorganizadamente organizadas.
Em cima da mesa, contrastando com tudo, estava o pc portátil.
Baixinho ouvia-se uma música suave cuja intérprete rapidamente identificou...
Não fazia ideia de como iriam ser as duas horas que se seguiam mas - "só por me relembrar que a Loreena Mckennitt existe... já valeu a pena..." - pensou disfarçando um sorriso e inspirando bem fundo.

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