05 January 2008

"nanica, tudo flui"

Tenho no meu coração um Amigo.
Por muito desgraçado que ande o meu coração, tem sempre um espaço brilhante e intocável que só pertence aos Amigos.
Tenho a certeza de que amo este meu Amigo. E não sinto que ao dizer isto estou a banalizar o verbo mais importante nas nossas vidas de human@s.
No entanto, não estou com este Amigo, fisicamente, faz já algum tempo, anos!

Lembro-me dele muitas muitas vezes, outras sonho com ele, muitas me passa pela cabeça a saudade que tenho de o ver. Lembro-me dele quando tenho o meu velho e recorrente sonho com a temática das casas de banho sem privacidade (foi na casa dele na Serra da Estrela que esse meu pesadelo se tornou real... onde é que já se viu uma casa de banho com porta em vidro??)

No dia 27 de Dezembro, eram 21:31 e eu estava na Praça de Espanha, a caminho de casa, vinda já nem sei de onde. Lembrei-me dele e não consegui sossegar. Liguei-lhe e ele não atendeu, então deixei mensagem de saudades no voice mail.

Hoje, quando me preparava para sair para a reunião de direcção do 626 - depois de ouvir aquela tua performance de vergonha, da qual gostei muito. Afinada e bonita, apesar de roufenha e que me deixou triste sem saber bem porquê - o meu Amigo ligou-me.
Ando em guerra com os telemóveis mas sei que toda eu acendi quando vi o seu nome a piscar no visor do tmn. Atendi de imediato.

Chamou-me nanica, como sempre me chamou, e disse-me que eu sou uma mulher com um 6º sentido muito apurado.
A verdade é que este Amigo é alguém muito especial, alguém com uma força que não reconheço em muita gente. Este Amigo está em luta aberta com um cancro violento há mais de uma década e o que é também verdade é que não é a primeira vez que lhe ligo no exacto momento em que ele está a dar entrada de urgência no hospital... coincidência ou não, falámos um pouco sobre esses acasos.
E apesar da "distância" que nos envolve, cada vez que falamos eu sinto que estive com ele no dia anterior. E apesar da vida turbulenta que ele leva, é das pessoas que mais calma me transmite nesta vida.

E falámos nem sei quanto tempo, talvez duas horas (?). Sei que a orelha me fervia mas o coração pareceu-me senti-lo maior dentro do peito.
(Tem andado meio encolhido, como sabe quem me conhece e diz não me andar a reconhecer. Não importa.)

Acontece-lhe tudo e eu fico banzada quando vejo a tranquilidade com que ele aceita as coisas do outro mundo que se lhe atravessam no caminho. Ele faz 14 dias seguidos de quimioterapia... ele fez um transplante que tinha tudo para ser bem sucedido, pois o dador foi supostamente o mais elegível do mundo... o irmão, que é 100% compatível, é homem... estava tudo bem, o corpo assimilou, o tipo de sangue até mudou! Passou de O+ para B-... tudo ok até que... raios! Não é que as células são tão tão iguais que o cancro ataca as do irmão como atacava as dele... os médicos dizem-lhe que estão a ficar sem estratégias de cura... No IPO dizem-lhe que ele é o tipo a quem acontece tudo, inclusivé, um cateter cair-lhe... coisa que uma das médicas com 30 anos de experiência, diz ter-lhe acontecido 2 vezes. E ele diz... "não é azar, é apenas pouca sorte".

E falou... falou de tanta coisa. De como ele vê a vida. De como as decisões, por mais loucas que pareçam, serem sempre as que têm que ser e se tornam as acertadas... de como tomar uma decisão errada nunca é pior que não tomar decisão nenhuma... de como o caminho a escolher deve ser o que vai dar mais luta, o que vai fazer sofrer mais, porque a experiência lhe tem dito que é esse o que traz a maior recompensa... de como temos uma quantidade diária finita de energia que geralmente não canalizamos como devemos, acabando por ser mal dispendida... de como devemos dispender energia apenas com o que faz falta, porque a que desperdiçamos com situações que nos sugam é preciosa e leva-nos partes de nós que devem permanecer coesas para que estejamos bem... que todas as pessoas deviam fazer um exercício simples que é tentar passar um único dia sem não criticar e/ou julgar - duas das coisas que mais energia fazem dispender.

Recordámos as nossas férias na ilha da Culatra (lembras-te mana Carla??) e confessou-me que a melhor recordação que guarda de mim é dessas férias. Chamou-me anjo.

Falou-me do livro e do filme "O Segredo", que a mana já me emprestou há umas semanas para eu ler, mas que ficou na pilha da cabeceira... vou começar a ler hoje. Aceitei como um sinal.

... Os médicos querem fazer-lhe outro transplante, desta vez com um dador que não seja parente... é uma operação que envolve muitos riscos... assustou-me... mas ele só me diz: "nanica, tudo flui".
Chorei muito enquanto ele falava, (as primeiras lágrimas de 2008!) mas ele não notou... e apesar de tudo o que falámos ser um misto de... tanta coisa (!) as lágrimas foram libertadoras.

E vou vê-lo no Domingo.
Quero esticar os braços, abraçá-lo forte e dizer-lhe que vai tudo correr bem.

Tenho dispendido energia com muita coisa errada (e pouco tem sobrado para os escuteiros... acabei por deixar passar a RD :o\)
Acho que é por isso que ando com a fitness sickness... ao menos ali sei que canalizo tudo para o momento e para mim.
Não falei muito de mim, ouvi mais. Disse-lhe de mim que não tenho a sua visão para triar o que ainda vale e o que já não vale a pena, nem estou treinada para que as coisas não me doam.
Ele diz que saber isso já é meio caminho andado e que "tudo fluirá".

1 comment:

Anonymous said...

tenho os olhos a arder. Muito melhor do que o filme Expiação. Desculpa a comparação, isso é a realidade: bela e dolorosa.

segundonano