Nas urgências do Hospital o que eu mais vi foi solidão.
Assim que cheguei para ir à triagem passou por mim uma velhinha corcunda que já se ouvia de longe... gemia, gemia, gemia... mas andava mais ligeira que o Speedy Gonzalez... passou-me à frente cá c'uma pinta!
Eu só meio torta por causa das dores, mas, modéstia à parte, até com bom aspecto, e não conseguia andar à velocidade da senhora, nem que tentasse.
Lá tive que esperar que a velhinha fizesse as queixas todas à enfermeira da triagem... "dói-me aqui, dói-me ali"... mostrou-lhe os medicamentos todos que trazia no saco de plástico do supermercado...
"Aquilo é solidão" - dizia-me a minha mãe.
E ela sabe. Trabalha num hospital há mais de trinta anos... as velhinhas que a conhecem e que ela gosta de ajudar, ligam cá para casa...
Ainda hoje uma interrompeu o jantar só para dizer que tinha um presente para a minha mãe e para arrancar alguma companhia via telefone.
A minha mãe é o ser mais paciente do mundo. Não saí nada a ela... em paciência saí mais ao meu pai. Mas sou uma versão 'upgraded', portanto acredito que sou mais paciente e tolerante.
Impressionante a quantidade de velhinhos que estavam naquela sala de espera...
Mas mais impressionante era quantos estavam lá dentro... sozinhos.
Uma velhinha bem redondinha... e com mais barba que o meu pai... (eu sei que não devia dizer isto, mas é verdade...) de cada vez que o Enfº Gonçalo se dirigia a ela para lhe dar aquilo que identifiquei como placebos - "Tome lá Dona Palmira!" (Tinha o nome da minha avó materna, hehe) - ela gritava a plenos pulmões:
"Eu quero é QUE me MATEM! Eu quero é que me matem!"
Estava uma confusão aquela Urgência... mas não esperei quase nada. Estive lá bem mais de três horas mas não me custou esperar (sou mesmo mais paciente que o papá...).
Enquanto esperava em pé (porque dei a cadeira a uma velhinha...) que o Enfº Gonças me pusesse o cateter do soro, ouvi uma chamada de outra Enfermeira para que um familiar de uma das velhinhas das macas do fundo da sala, viesse buscá-la... era a neta.
No meu relógio eu vi que eram 10 e pouco e a neta disse que a ia buscar pelas 19h... Já não havia macas nem marquesas livres.... e aquela alminha ia ficar ali até ao cair da noite.
Fiquei a pensar o que seria mais importante que a avó? Será que vou ser assim quando os velhinhos da minha vida precisarem de mim? Bolas... espero que as pessoas egoístas com quem me tenho cruzado não me peguem a doença do egoísmo.
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Quanto à minha saúde. No Sábado ainda tinha muitas dores, comecei medicação. Ontem as dores acalmaram e amanhã volto ao médico porque ficaram intrigados com o que quer que seja que tenho. Só sei que era (suponho que já esteja a desaparecer) uma inflamação anormal no intestino a qual "merecia enquadramento clínico"... e para despistar as doenças feias, vou fazer mais consultas e exames.
1 comment:
Que cena deve ter sido...
Por vezes não temos mesmo a noção que estas coisas acontecem de verdade,ou pq estamos nas nossas vidinhas das 9 às ??? e não temos "tempo" para sequer nos "lembrarmos" ou simplesmente porque deixamos que o nosso cerebro estabeleça as prioridades de acordo com a forma como trabalhamos e não da forma como fomos educados. A vida da cidade tem destas coisas.
És mesmo incrivel, até o nome da Sr.a apanhaste..
Vê lá se e pões boa de vez.. e pôr boa significa também engordares um pouquinho porque, cá para mim, tu tens mas é o intestino a tocar nas costelas...;)
Continuação das melhoras.
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