Dia 2 de Junho, véspera de feriado. Fomos ao CCB eu e a mãe ver a "Sagração da Primavera".
A mãe não costuma ver destes bailados "esquisitos" mas depois de tudo... "dos silêncios que falam", eu já não imaginava outra companhia senão a dela para este programa. E ela ia contente, feliz até.
Um quality program com a filhota! eheh
Lá fomos as duas a cantar por cima da Mariza pelo caminho (que belos trinados tem aquela giraf...senhora!!).
Chegamos 15 minutos antes, damos a moeda ao "carocho". Conversa para aqui, conversa para ali. Havia gente de todos os "quadrantes", como sempre. Desde hippies a gente absolutamente low profile, como senhoras muito selectas e produzidas.
E agora aqui um á parte: Ao relembrar a última vez que lá tinha estado para um concerto de Chopin, estranhei muito a minha companhia ter-me dito até um pouco despropositada e cavalheirescamente: "Vens vestida assim?"
Como se houvesse um dress code para os espectáculos do CCB! O dress code é como nos sentirmos confortáveis! É como nos apetece ir... e há sempre alguém que nos surpreende pela falta de gosto... mas gostos são gostos.
Devia ter percebido logo a minha companhia, já numa formatação diferente, teria "gostado mais" se eu fosse com um outfit mais "clássico"...
Mas é mesmo assim vê-se de tudo por lá! E Eu sou Eu, não há cá confusões, não foram os meus gostos que mudaram para o mais clássico...
Adiante...
Entrámos, os lugares eram espectaculares! :oD
Depois do habitual reboliço das gentes a arrumarem-se nas cadeiras e cadeirões, plateias e balcões... eis que a luz se apaga e entra a OrchesTrutopica. Palmas.
Adorei. Tocaram uma peça inédita de Luis Tinoco, que " com entusiasmo e receio aceito[u] o convite da OrchesTrutopica para escrever uma peça para ser incluída no programa com a "Sagração da Primavera", e que de algum modo fizesse a aproximação à obra de Stravinsky"
E eu adorei esta estreia absoluta e encomenda da OrchesTrutopica: Before Spring - A Tribute to the Rite (2010)
Gostei particularment do facto de, a meio da peça, terem sido divididos os metais e os instrumentos de sopro, do resto da orquestra, uns para a escadaria do lado direito do Grande Auditório e outros para a escadaria do lado esquerdo, respectivamente, e bem perto de mim, ficaram os Piccolo, Oboé e Clarinete, iluminados com grandes bolas de luz e foi um festival de acústica, diferente da atitude tradicional e com uma curiosa diversidade estética!
E chegava o momento de ter uma outra luz, desta vez a incidir sobre um montinho de areia e um homem - O Sábio - que parecia fazer um aquecimento. E depois dança... movendo-se de uma forma quase primitiva, bastante atlética, fazendo posições que faziam esticar as roupas e ao mesmo tempo deixavam os olhos em suspenso, àvidos por mais.
Em surdiana disse à minha mãe: "estou mortinha que dê um pontapé na areia!"
Mas não, em vez disso, entram, um a um, homens, com grandes sacos de areia que despejam em montes iguais ao primeiro e luzes incidem sobre cada montinho. Todos dançam, livremente, às vezes sincopados, outras vezes não como se de um ritual meio caótico se tratasse. Todos elegantes, a maioria com roupagens iguais, simples, leves que deixavam transparecer ângulos inesperados do corpo.
Para mim o momento alto da peça nem é a dança da "Jovem Eleita" que dança até sucumbir, até à morte, sagrando o Deus da Primavera - papel de destaque que fora desempenhado em 1980 pelo Ballet Gulbenkian, pela própria Olga Roriz -coreógrafa desta peça que vi e saboreei com todos os sentidos - no Ballet Gulbenkian sob coreografia de Joseph Roudillo. O ponto alto para mim é sim a triunfante entrada corrida das mulheres. Todas de vestidos coloridos, como flores.
Inicia-se o verdadeiro rito ancestral. Sensual mas de uma estética pouco harmoniosa pois os bailarinos parecem sacudir-se, por vezes até violentamente. E caem (bolas, quantas vezes pensei: "aquilo é que é saber cair!") e, finalmente, o que eu esperava! O espalhar louco da areia! hehehe
Fiquei toda contente! Urgia-me ter a areia toda espalhada pelo palco! Estava ávida de ver os bailarinos todos "areados". :oD (sem que caísse areia para a orquestra! calculo que não fosse muito bom para os instrumentos)
O pó suegia e espalhava-se no ar por cima dos bailarinos perante as sacudidelas impetuosas dos corpos magros e no caso delas, do cabelo. Cheguei a pensar como é que aquelas mulheres não partiam o pescoço com tanta sacudidela agressiva das cabeças e do cabelo naquela areia, empoeirando o ar e fazendo ruídos de esforço, quase gritos, sob uma música forte e tumultuosa cheia de picos de emoção e de altos e baixos, na peça de Stravinsky interpretada pela excelência da Orquestra Metropolitana de Lisboa.
A certa altura, do tecto começou a cair algo, não sei se mais areia se água. Primeiro pensei que seria mais areia, mas depois pareciam-me sprays de água.
E os pés descalços rolavam e enrolavam a areia, figurinos em esforço, danças e contra-danças que quase nos cansavam só de ver.
Bonito o espectáculo de cores proporcionado pelos vestidos das mulheres, de simples corte mas colorido, excepto o da "Eleita" que era preto.
Depois do namoro dos corpois, casais mistos e "menos mistos", um beijo solto, dança compassada e corridas frenéticas, chegara o momento da "Eleita" iniciar a dança da morte que ditaria o final do espectáculo.
Saí de lá exausta de tanto movimento e tanto sacudir de cabelos, cabeças, corpos e areia.
Mas gostei muito da coreografia da Olga Roriz. A mãe, tal como eu já imaginara, gostou mas achou aquilo tudo bastante esquisito.
Eu já tinha visto partes da mesma peça coreografada pela Pina Bausch (que já faleceu mas que conheci pessoalmente! Também no CCB, julgo que em 2003 quando fiz baby sitting para o bebé de um dos casais de bailarinos da sua companhia. Rainer Behr & Julie Shanahan do Tanztheater Wuppertal) Estes senhores das fotos aqui ao lado:
Estranho saber que esta peça de Stravinsky e coreografia de Nijinsky, na sua estreia em 1913 em Paris terá sido muito criticada e mal recebida, considerada mesmo o maior escândalo da história da música. Protestos do público, tanto à parte musical como à coreografia de Nijinsky - coreógrafo sobre quem também estudei nas aulas de Literatura & Artes, uma das minhas cadeiras preferidas na faculdade! - mas nas apresentações seguintes ligeiramente alteradas em forma de concerto, já teve uma aceitação pacífica e depois ficou muito célebre precisamente por toda a polémica em torno da peça.
Eu gostei muito!
Fez-me bem à alma que bem andava a precisar.
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