01 June 2010

A dor invisível

Quem preferia levar uma carga de porrada ao invés de sentir dor emocional, levante o braço.

Eu preferia. Prefiro.

Uma fractura exposta, um braço partido, dores de dentes, uma úlcera, ficar sem um rim.
Não há curas, pensos rápidos nem medicamentos para as dores emocionais. Dizem que só o tempo.
E o que se faz até lá? E passa para sempre? Sei bem que não.

Dói mais um coração partido que uma perna partida.

Sim, sim, toda a gente sabe que são dores absolutamente diferentes, a física e a emocional, mas garanto que preferia que me batessem até esquecer que existo do que sentir o vazio provocado por uma perda.

Há profissionais para as "dores da alma" mas será suficientemente eficaz recorrer a estes?
O anti-depressivo não resulta com a rapidez de uma injecção, de um analgésico ou mesmo de uma cirurgia (incluindo a fase de recobro e recuperação!).

Dores emocionais podem durar uma vida. Um luto interminável. São feridas não expostas.

Não há 112 para o desgosto, nem um hematoma visível das dores emocionais, a cicatriz da ansiedade, o gesso para imobilizar o sofrimento, o sopro maternal para aliviar a queimadura aguda da mágoa. Tudo se passa em estados invisiveis.

Parece absurdo para todos que alguém esteja miserável quando finalmente vem o sol, quando há possibilidade de ir à praia, ir a festas, jantares ou outros eventos normalmente agradáveis.
Para quem está com tal pesar e comoção, não interessa o clima, não interessa a praia, os eventos de pouco servem. É até possível ver uma comédia com vontade de chorar, e chegar mesmo a fazê-lo...!

Os sorrisos ao longo do dia são maioritariamente forjados, estar contente não passa de um ensaio para conseguir realmente estar, porque todos dizem que devemos rir e que "alegria gera alegria", mas este lindo cliché, lamento informar, infelizmente, nem sempre funciona.

E parece também imensamente descabido dizer que alguém que leve uma grande paulada na cabeça sofrerá menos do que alguém que sofre por dentro. Pura mentira.

A possível perda de algo ou de alguém que muito se quer, sente-se como uma mutilação. É físico, é visceral.
Que pena não podermos fazer downloads de dor uns para os outros, para que por segundos possamos introduzir a pendrive na entrada USB e possam sentir por nós, com a possibilidade de partilhar os gigas de dor, ou simplesmente "remover com segurança o hardware".
Talvez assim não houvesse tendência de menosprezar e pensar que quem sofre é tolo, fraco ou simplesmente não é forte o suficiente para querer 'sair da fossa'. Querer, queremos sempre, mas o afamado, o mal-fadado, aquele infame que nos faz esperar, o que nos faz desesperar... o indelicado, o despropositado, o desagradável e temível "Tempo", demora mais a passar do que, imaginemos, o Manoel de Oliveira demoraria a pisar a meta da meia maratona de Oeiras.

Minutos são anos, segundos são meses.

Quando era miúda o meu irmão adorava torcer-me o braço atrás das costas nas brincadeiras parvas dele. Pareciam dores terríveis mas preferia pedir ao mano para me torcer os braços durante horas do que sentir desalento no espírito.

Nota: Quadro original: 'The Scream' pelo Expressionista Norueguês Edvard Munch... (não sei o que fizeram ao senhor mas parece pouco feliz...) os outros são duas parvoíces... o Homer Simpson e o Telly da Rua Sésamo na mesma posição do quadro.

3 comments:

Menina R said...

Não consigo sentir o que sentes...mas custa imenso sentir que sofres!um beijinho cheio de força

Anonymous said...

Pois é. A tua ausência gerou a minha ausência. Mas como que por acaso cá passei novamente e achei importante dizer-te que há dores piores. Pois é. Dores que nunca passam. Dores que te fazem viver a vida, mas que por mais que deixem o tempo passar, elas mesmas nunca passam.
Para esse sentimento que sentes, há cura. Há um outro que vem a seguir e que faz esquecer.
Para quem sente pior que isso que descreves a vida tem outro sentido.
"Amanhã" de certeza que escreverás outras coisas e já nem te lembras disso.

Anonymous do gato.

(n)Ana said...

Menina R... Posso ser eu... pode ser muita gente... mas só escreveria algo assim quem o sentisse. Ou pelo menos foi esse o teu raciocínio...

Anonymous do gato: Que bom "ver-te" de novo. Sabes que na "nossa" ausência, o gato que deu origem ao teu nick morreu. Como vês... tenho sido "presenteada" com coisas pouco boas nos últimos... sei lá... 16 meses?
Agora diz-me que passa, por favor. Que há de facto cura.
E diz-me que passa o mais rápido que seja possível.
Duvido que algum dia escreva sem pensar "nisto" fez e ainda faz e provavelmente fará para sempre, parte de mim.
Mas obrigada pelo teu contributo :o)
É sempre bem-vindo.